Um grupo de adolescentes do Paraná surpreendeu o setor com uma proposta ousada: transformar casca de laranja em aditivo para cimento. O experimento ganhou nome e forma no “Laranjix”, iniciativa que nasceu em uma sala de aula do Colégio Cívico-Militar Darcy José Costa, em Campo Mourão, e já desperta a atenção de engenheiros e pesquisadores.
A mistura, feita a partir de casca de laranja desidratada e triturada, mostrou-se capaz de melhorar a resistência mecânica do concreto, além de contribuir para a redução de resíduos orgânicos e do impacto ambiental da indústria do cimento, uma das maiores emissoras de CO₂ do planeta. A ideia, desenvolvida por seis alunos do 1º ano do curso técnico em Desenvolvimento de Sistemas, surgiu de forma espontânea — e, com o apoio da professora Juliana Nunes, cresceu rapidamente até se tornar um dos destaques do Hack Tech Paraná, competição estadual de inovação promovida pela Secretaria da Educação.
“Eles estavam curiosos sobre como unir sustentabilidade e engenharia de forma prática. Foi impressionante ver a dedicação deles, desde os primeiros testes até a apresentação do projeto”, conta Juliana, que leciona Programação e Robótica e coordena o curso técnico na escola.
Um tijolo de cada vez, com sabor de inovação
A simplicidade do experimento contrasta com seu potencial de aplicação. A casca da laranja, desidratada, vira pó e é incorporada à massa do cimento convencional. O resultado é um material mais leve, versátil e com menor impacto ambiental, como já vem sendo testado em blocos, pisos, revestimentos, argamassas e até rebocos. O objetivo, segundo a equipe, é criar uma alternativa à base de cal, viável tanto para construções populares quanto para soluções pré-moldadas em larga escala.
“A fabricação do cimento comum é extremamente poluente, por isso a proposta de incluir um aditivo orgânico, que é descartado em grandes quantidades, faz tanto sentido. Estamos tentando pensar em soluções para o futuro”, reforça a professora.
Além de otimizar o desempenho térmico e mecânico do concreto, o Laranjix é mais acessível, o que o torna ideal para projetos de habitação social ou obras em regiões com menos recursos. “Essa é uma das principais vantagens do nosso material: ele reaproveita um resíduo abundante e pode ser produzido com facilidade. Já testamos em blocos e pisos, mas queremos aplicar também em telhas e elementos estruturais, no futuro”, destaca Emanuel Henrique Smanioto da Cruz, um dos integrantes do projeto.
Uma casca que sustenta ideias sólidas
O caminho da inovação também passa por rigor técnico. Por isso, os alunos firmaram uma parceria com a área de Engenharia Civil da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), que realizará testes laboratoriais de densidade e resistência para validar cientificamente os resultados.
A aplicação prática é o foco da segunda fase do projeto, que avança com testes em novas misturas e formas de moldagem. “Queremos mostrar que algo tão simples quanto uma casca de fruta pode ser transformado em solução concreta para os desafios da construção civil”, afirma Emanuel. Para ele e seus colegas, o reconhecimento no Hack Tech Paraná é só o começo.
A proposta foi agraciada com menção honrosa na categoria de projeto mais inovador, levando em conta critérios como aplicabilidade, impacto ambiental e viabilidade técnica. Na avaliação do júri, o Laranjix se destacou por apresentar uma solução tecnicamente executável, escalável e socialmente relevante.
Casca por casca, um futuro mais verde
Segundo a professora Juliana Nunes, o projeto ultrapassa os muros da escola por envolver valores de cidadania, consciência ambiental e protagonismo jovem. “A transformação começa na sala de aula, mas precisa ir além. Quando eles percebem que são capazes de criar algo útil para a sociedade, o aprendizado vira motivação”, afirma.
O “Laranjix” é uma prova do potencial criativo de jovens que se dedicam a construir um futuro mais inteligente e sustentável — literalmente, do alicerce ao acabamento. Em tempos de crise climática e demanda por soluções de baixo custo, ideias como essa mostram que a inovação pode surgir de onde menos se espera. Às vezes, basta olhar com outros olhos para algo que, até então, ia direto para o lixo.
Com isso, os estudantes de Campo Mourão não apenas criaram um novo tipo de cimento, mas lançaram as bases de uma arquitetura mais consciente, moldada por conhecimento, sensibilidade e visão de futuro.
SOBRE O HACK TECH – Etapa estadual do 1º Desafio da Educação Profissional e Tecnológica, promovido pela Secretaria da Educação do Paraná (Seed-PR), o HackTech Paraná reuniu em Foz do Iguaçu, no mês de setembro, 171 estudantes da rede estadual. Durante o evento, organizado em formato de hackathon, os alunos foram desafiados a criar soluções inovadoras para problemas reais, envolvendo tecnologia, sustentabilidade e inovação, a partir de projetos previamente selecionados na fase regional.